Freddy Herrera ainda faz planos para o dia. É técnico radiologista numa clínica privada e pela segunda vez tentava encher o tanque de 85 litros de uma Grand Cherokee ano 99, seu único carro. A caminhonete tem um número escrito a giz no para-brisa: 262. Sua esposa dormia dentro. Como trabalhador de um setor considerado essencialo da saúde, junto com o alimentício, o funcionalismo público, os meios de comunicação e os militares,tem direito a abastecer em alguns postos de gasolina de Caracas, que desde que começou a pandemia vive, como toda a Venezuela, uma aguda escassez de gasolina enquanto atravessa três meses de quarentena para frear a expansão da covid-19.
Verde de técnico radiologista. Depois de um descanso, pretende retornar ao trabalho para ajustar os equipamentos que tiram as chapas que confirmam as pneumonias decorrentes do vírus. Ele está no grupo de risco, mas sua preocupação hoje é outra. “Se puder encher todo o tanque, poderei buscar meus filhos, que estão retidos há mais de um mês na casa dos avós em Guatire [a 50 quilômetros da cidade]. Se só me derem 20 litros, como estão dizendo, terei que esperar uma semana a mais e voltar a abastecer.” O dia está só começan.
Achou que tinha chegado tarde. Mas atrás da sua caminhonete em poucas horas se juntaram mais de 100 outros veículos. A fila se perde entre vários quarteirões em torno dos postos. Assim é desde que teve início o racionamento de gasolina. Hoje só foi suficiente para 200 carros.
Algum militar e mercados informais. Mas a Venezuela em quarentena também deixou cenas como a descoberta de um posto de gasolina clandestino em um bairro luxuoso de Caracas, brigas entre motoristas cansados de esperar e a fúria de um bando de motociclistas bloqueando vias expressas em sua sede por gasolina. Sem combustível, o país com as maiores reserva de petróleo parou.
Está Josefina Morón, enfermeira de um hospital. Saiu de um plantão para o qual teria que voltar ao anoitecer, mas ficou sem gasolina e teve que comprar dois litros de gasolina por 22 reais para conseguir chegar até o posto. À frente dela, María Dagher faz fila no lugar do filho, médico plantonista em um dos centros de referência para o atendimento dos pacientes da covid-19. “É um Deus nos acuda”, diz, tentando descrever o que seu filho testemunhou nos últimos dias. Com a senha 198 em mãos, aguardava Mercedes Pichardo, de 72 anos, bioanalista em um hospital sem água.
FONTE: Brasil Elpais.
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